AVE POESIA

 Uma vida contada em versos

 Patativa do Assaré era o nome artístico (pseudônimo) de Antônio Gonçalves da Silva. Nasceu em 5 de março de 1909, na cidade de Assaré (estado do Ceará). Foi um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina.Contrariando o que muitos dizem, Patativa do Assaré não foi um homem analfabeto e iletrado. Teve pouco estudo, sim, mas teve também, o raro dom de lidar com as palavras. Possuidor de uma memória incomum era capaz de dizer todos os mais de mil poemas que escreveu sem errar, ao menos, uma palavra. Quando escrevia, seus versos e rimas irrompiam de sua mente e não precisavam de retoques ou ajustes. Nasciam perfeitos, não careciam de lapidação. Veja sua inspiração nesse soneto abaixo:
O Peixe
Tendo por berço
o lago cristalino,
folga o peixe
a nadar todo inocente.
Medo ou receio
do porvir não sente,
pois vive incauto
do fatal destino.
Se na ponta de
um fio longo e fino
a isca avista,
ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre
peixe de repente,
preso ao anzol
do pescador ladino.
O camponês também
do nosso Estado,
ante a campanha eleitoral:
Coitado.
Daquele peixe tem
a mesma sorte.
Antes do pleito:
festa, riso e gosto.
Depois do pleito:
imposto e mais imposto…
Pobre matuto do
Sertão do Norte.
Frequentou a escola por apenas quatro meses, em 1921, mas desde então vem “lidando com as letras”, como ele mesmo afirmou. Atuava como versejador em festas, e quando comprou uma viola, deu-se início à atividade de compositor, cantor e improvisador.
“Não tenho sabença,
pois nunca estudei,
apenas eu sei
o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre
e o fio do pobre
não pode estudá”
Segundo filho de um agricultor da região do Cariri ficou órfão de pai aos oito anos, passando a trabalhar no campo para ajudar sua mãe e sua família. Escolarizado durante seis meses, quando tinha 12 anos, percebe que seu mestre, embora extremamente generoso e dedicado, era precariamente letrado e não sabia ensinar pontuação. É dessa forma que aprende a ler, sem ponto e sem vírgula.
“Sou filho das matas
cantor da mão grossa
trabalho na roça
deveras o destino.

A minha choupana
é tapada de barro,
só fumo cigarro
de palha de milho.

Meu verso rasteiro
singelo, sem graça
não entra na praça
no rico saloon

Meu verso só entra
no campo e na roça,
na pobre palhoça
da terra ao sertão.”
O poeta Patativa do Assaré canta a fome e a miséria do povo da caatinga e do agreste, permitindo-lhes sonhar e se encantar.
“De noite tu vives na tua palhoça,
de dia na roça de enxada na mão.
Julgando que Deus é um Pai vingativo,
não vês o motivo da tua pressão.

Tu és nesta vida um fiel penitente,
um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo não guarde contigo essa crença,
a tua sentença não parte do Céu”
Patativa transitava entre ambos os campos com uma facilidade camaleônica e capacidade criadora e intelectual ainda não totalmente compreendidas pelo meio acadêmico.
“Pobre agregado, força de gigante
escuta amigo o que te digo agora.
Para saíres da fatal fadiga
do horrível jumo que cruel
te obriga a padecer em situação precária.

Lutai altivo, corajoso, esperto
pois só verás o teu País liberto
se conseguires a reforma agrária”
No ano de 1956, escreveu  seu primeiro livro de poesias “Inspiração Nordestina”. Com muita criatividade, retratou aspectos culturais importantes do homem simples do Nordeste. Após este livro, escreveu outros que também fez muito sucesso. Ganhou vários prêmios e títulos por suas obras.
A complexidade da obra de Patativa é evidente também  pela sua capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina). Ele próprio diferenciava seus versos feitos em linguagem culta daqueles em linguagem do dia-a-dia (denominada por ele de poesia “matuta”).
“Só canto o buliço
da vida apertada,
da lida pesada
das roças ou dos eito.
E as vez recordando
a feliz mocidade,
canto uma sodade
que mora em meu peito”
Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade.
Certa vez ( já com 91 anos de idade), foi perguntado se sentia medo da morte?
Ele respondeu galantemente com um verso novo, recém criado, demonstrando ser ainda um ótimo improvisador:
“Cachingando, cego e surdo
Sem ver e sem está ouvindo
pra mim não é absurdo.
Vou meu caminho seguindo.

Nunca pensei em morrer
Quem morre cumpre um dever.
Quando chegar o meu fim
Eu sei que a terra me come,
mas fica vivo o meu nome
para os que gostam de mim”
Patativa do Assaré faleceu no dia 8 de julho de 2002 em sua cidade natal.
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré.
(ASSARÉ-CE, 5 de março de 1909 — 8 de julho de 2002)
Patativa do Assaré sem dúvida ainda vive em cada agricultor que ele ajudou a traduzir para todo o Brasil; vive nos camponeses que hoje estão sendo perseguidos pelo governo Lula, que ousa inclusive falar sobre Patativa do Assaré e reivindica-los, ao passo que persegue aqueles a quem Patativa dedicou a vida a defender em suas poesias. Para estes dizemos: tirem as mãos de Patativa, seu legado artístico não vos pertence. Pertence sim a todos aqueles que hoje lutam pela terra, que ainda sofrem pela falta de água em pleno século XXI! É deles o legado de Patativa, eles são Patativa do Assaré!
À burguesia e seus jagunços assassinos, que fique o recado desta poesia de Patativa do Assaré:
E se o poderoso ingrato,
Impedoso e incriemente,
manda força para o mato
prumode atira na gente,
miguem vai temer a guerra.
Vamo é defende a terra,
quem precisa é quem se estira
E fome nao é brinquedo
Vai corre gente com medo
Como rato em acanbira.
Sem terra medo nao tenho
Pobre corage possui .
Quando a força matá cem
Vem mil e substitui,
sei que ser triste a cena
É mesmo de fazê pena
Morre cem de quando em quando.
E mil fica resistindo
e morto pro céu subindo
E os vivo embaixo lutando
E pur causa de nós sofrê
Iguá a boi manjarrá
Samo obrigado a fazê
Reforma agrara na marra,
pra neto pra fio e pra pai
a Reforma agora sai
que achem bom e que achem ruim,
seja na guerra e na paz,
seu Dotó a gente faz
Reforma agrarara assim.”
 (Patativa do Assaré, Reforma agrara é assim) mantida agrafia original

Escute a lira patativana na vóz do próprio patativa:

Patativa do Assaré - 88 Anos de Poesia (1995)

technorati


Poesia do mundo Patativa do Assaré é poesia em estado puro.Uma fonte permanente de beleza e emoção.Um dos pontos altos de criação estética cearense de todos os tempos.Sua poesia pode e deve ter um registro através da escrita. Mas a essência do que cria Patativa se sustenta na oralidade, em sua voz ancestral que enuncia o mundo.Esta gravação em compact disc eterniza sua performance, preserva seu cantar e atualiza uma tradição com o recurso de uma tecnologia de ponta.Aqui, Patativa por inteiro.Mas livre para soltar sua voz sertaneja e ser ouvido em sua grandeza universal.

Download:


Faixas:

01. 85 de idade de lus e de poesia
02. Caboca da minha terra
03. Mãe Preta
04. Filho de gato é gatinho
05. Sextilhas
06. Aposentadoria de Mané do Riachão
07. Minha sodade
08. Ao Dotô do avião
09. Presente disagradavi
10. Mãe e filha
11. As proesa de Sabina
12. Décimas
13. Lamento de um sertanejo
14. A estrada de minha vida

* com encarte completo scaneado e autografado!

 dizem que mil palavras
são ditas com uma imagem
então será quantas, diseram
através dessa filmagem: